Pois é, ontem a foto de um jogador brasileiro acendendo a tal tocha dos jogos Pan colocou a ricota para fermentar. Já a noite meu namorado astro do rock juntou a essa imagem uma outra - que eu não presenciei - e o fermento cresceu um pouco mais. Explico. Tudo bem que qualquer fato que traga a esta minha cidade - que eu quando inocente, acreditei seria meu lar do nascimento até a morte - mais turistas, dinheiro e, talvez, prestígio, seja sempre bem-vindo, mas e o dia-a-dia. É no diário que isto aqui virou terra de ninguém. O que se vê é abandono, pobreza a cada marquise, tiro em cada madrugada, espancamentos acompanhados justificativas imbecis, para dizer o mínimo. Mês passado mesmo estive em um terminal de ônibus no bairro onde ficará a tal Vila e, acreditem, ali funcionava no breu. Com direito a banca de jornal iluminada à lampião, lampião, pode? Não, não pode. Não pode agora. Para turista ver, o mesmo terminal está todo em obras, já deve ter luz e, finalmente, o jornaleiro já está trabalhando iluminado por essa graça divina das coisas que só acontecem por aqui quando vem visita. Tipo a casa daquela família que permanece em total desordem durante toda a semana, mas que basta mencionar uma passadinha de um conhecido para virar um pandemônio, com cada membro a tentar remediar a bagunça. Algo semelhante parece acontecer. Não sei, são só impressões. O que me levou a outra imagem - a tal que eu não presenciei -, meu namorado voltava à noite do ensaio da banda acompanhado pelo baterista, que está morando há poucos meses nesta cidade, e eles se depararam com uma cena um tanto quanto corriqueira do nosso dia-a-dia. Um mendigo dormia seminu - com a calça arriada - dentro de uma agência bancária e as pessoas sacavam seus trocados, com a maior normalidade. Ele mesmo me confessou que nem reparou no tal senhor ali jogado, mas o outro rapaz, que ainda é meio turista, chamou a atenção para o fato muito impressionado e chegou a comentar: "o que acontece com esta cidade?", seguindo depois o seu caminho assim meio estupefato. E eu fico a fermentar, o que acontece com esta cidade? O que vem acontecendo a cada dia? Porque eu não me espanto mais com alguém dormindo dentro da agência bancária?, e pelo visto não sou a única. Será que é porque penso, ah está frio mesmo o que tem demais o homem se ajeitar por ali? O que tem demais? O que tem demais a banca de jornal trabalhar à luz de lampião? Os tiros? A indiferença? Os espancamentos? E o Pan? E essa ricota toda vai acabar como?
É, mais um blog a se juntar neste blá, blá, blá, a falar mal das coisas. Pode ser, muito provavelmente. Mas o mais espantoso, para mim, é o fato de eu me pegar pensando como já me acostumei a comer feijão azedo achando que é ricota com água, e como nem ligo mais para que gosto tem a tal mistura...
2 comentários:
Oi! Você comentou lá no meu blog, então vim dar uma olhadinha... Gostei.
Mas olha, esse negócio da gente se espantar tanto com como a gente se acostuma é algo mesmo impressionante. Eu só fui perceber que já estava acostumada num dia que fui fazer redação de português: o tema era justamente esse, como a gente se acostuma a ver essa scoisas absurdas, tipo um mendigo dormindo num banco. Eu cavei na minha mente pra encontrar alguma coisa pra escrever e acabei lembrando de algo que me aconteceu quando era pequena. Foi assim: perto do meu prédio viviam uns mendigos e nós, crianças de 6, 7 anos, passávamos boa parte do nosso tempo tantando entender o que eles eram. Certo dia uma amiguinha chegou pra mim e falou "Rayssa, você sabia que eles sabem falar? Outro dia a minha mãe passou por eles e eles falaram algo como 'oh, mulher boa'" Não consigo descrever a surpresa que tive, e também não consegui na minha redação. Mas, pensando nisso, não consigo me culpar por ter pensado neles como coisas estranhas, não humanas, quase bichos, e ficar supresa ao descobrir que sabiam falar, porque as conclusões que tirei foram baseadas nas impressões que eu tinha através do que eu via, de como eles viviam. Eu me pergunto em que tipo de mundo a gente vive em que algumas pessoas são tão isoladas e mal tratadas a ponto de uma criançinha inocente pensar que eram só bichos, só lixo, só uma sujeirinha no canto. E issso se deu em curitiba, a tal cidade maravilhosa do brasil, onde tudo e toos são felizes.
Eu procuro tratar essas pessoas do modo mais gentil possível, já que não posso fazer muito pra tirá-las de lá. não é muita coisa, eu sei, mas ainda é melhor que fingiu que não viu, que esconder a poeira embaixo do tapete.
quanto a se arrumar pras visitas, todo mundo quer que sua grama seja cobiçada, então compram a sintética mesmo, que dá menos trabalho.
e eu acabei d eperceber que meus comentários fazem tanto sentido quanto meus posts.
beijos.
É Rayssa, mas parece que não são só as crianças inocentes que andam compreendendo o outro como coisa, pior que bicho...bjs
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